sábado, outubro 31, 2009

Sonoridades...


O italiano na boca dos italianos é uma corrente profunda e sonora com inesperadas cataratas de seixos para a preservarem da monotonia.
Edward Morgan Forster, “Um Quadro Com Vista”

quinta-feira, outubro 29, 2009

Quadro


Quando há verdadeiro amor, torna-se uma certeza, ao ponto de não ver mais, como não se vê um quadro dependurado na parede há 20 anos. Mas se desaparece-se, dava-se logo por isso.
Mircea Castarescu

quarta-feira, outubro 28, 2009

O génio de escritores


Há um problema com os escritores. Se o que ele escreve se vende bastante, muitos exemplares, ele pensa que é um génio. Se o que ele escreve se vende medianamente, ele diz-se genial. Se o que ele escreve é publicado mas vende mal, ele diz-se genial. Se o que ele escreve não é publicado e não tem dinheiro suficiente para publicar ele próprio, então diz que é mesmo genial.
Charles Burowsky, “Mulheres”

terça-feira, outubro 27, 2009

Lágrimas de Deus


Não chores, Kondrat; não irrites Deus, meu filhinho. Já são muito os pobres da terra que choram todos os dias e queixam-se a Deus de suas misérias e dos ricos que se apoderam de tudo. Mas Deus não pediu aos pobres que sofram. Um dia talvez ele ainda se aborrecerá com esse chôro ininterrupto dos pobres e dos famintos. E irritado, juntará todas as lágrimas para convertê-las numa névoa impenetrável que lançará sobre o mar afim de lhes esconder o céu. Então os barcos navegarão sem rumo e se chocarão a uma pedra má que existe no fundo do mar, e irão para o fundo. Poderá também aproveitar as lágrimas para fazer orvalho que numa noite cairá sobre todos os trigais da terra, sobre os nossos e os dos países longínquos... As lágrimas amargas queimarão as espigas que começam a brotar, e a fome e a peste assolarão o mundo... Como nós, os pobres não devem chorar porque as lágrimas atraem a desgraça... Compreendeste, filhinho?
Mikhail Cholokov, “Terra e Sangue”

domingo, outubro 25, 2009


As vacas europeias são mais bem tratadas do que os agricultores africanos. Os bovinos recebem dos dólares [1,52 euros] de subsídios por dia, o que é superior ao rendimento médio de metade dos habitantes do planeta, lembrou o prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz, entrevistado por L’Espresso

quinta-feira, outubro 22, 2009

Direitos Humanos


Não estou de acordo com o que está a dizer, mas lutarei até à morte para que tenha o direito de o dizer.
Voltaire

quarta-feira, outubro 21, 2009

Guineensemente


É tão especial o clima da Guiné, tão difíceis os seus territórios de demarcarem-se, tão aguerridos os seus povos e tão pouco a auctoridade portugueza entre elles se mostra
Maria Luísa Esteves, “A Questão de Casamansa e a Delimitação das Fronteiras da Guiné”

terça-feira, outubro 20, 2009

Pena de escrever


Aquela manta e aqueles farrapos pendurados num prego fediam a bedum, a leite e a sangue. Estes sapatos de boca aberta, aos pés da cama, acabavam de mexer-se com o bafo de um boi estendido na erva e, no sebo com que o sapateiro os engraxava, grunhia um porco sangrado até à última gota. Por toda a parte havia morte violenta, tal como um matadouro ou num recinto patibular. Um pato degolado grasnava na pena que iria servir para traçar em velhos pergaminhos ideias julgadas dignas de perdurar para sempre.
Marguerite Yourcenar, “A Obra Ao Negro”

segunda-feira, outubro 19, 2009

A morte é cega!


como saberão os cegos da morte? se não vêem desaparecer as paredes da casa, os retratos dos amigos, os vasos da erva-da-fortuna, de anémonas e de margaridas, na varanda, pelo semicerrado das portadas? em que outro escuro se tornará a sua escuridão? talvez só ouçam a distância a formar-se absoluta nos sons que desaparecem.

Rui Nunes, “Grito”

domingo, outubro 18, 2009

Aura de amor



Creio que se forma, em torno daqueles que se amam verdadeiramente, uma espécie de aura, de maneira que, mesmo que não se olhem, não se falem, nem se toquem, denunciam os elos que os ligam.


George Simenon, “Maigret e o Caso Nahour”

sexta-feira, outubro 16, 2009

O livro da vida


Há pouco tempo ouvi a escritora argentina Graciela Cabol falar em público, em Gigon, numa intervenção divertidíssima e memorável. Acabou por dizer (...) que um leitor tem uma vida mais longa do que as outras pessoas, porque não morre até acabar o livro que está a ler. O seu próprio pai, explicava Graciela, tinha levado imenso tempo a falecer, porque vinha o médico visitá-lo e abanava tristemente a cabeça, garantia: “Não passa desta noite”, mas o pai respondia: “Não, nem pense, não se preocupe, não posso morrer porque tenho de acabar ‘O Outono do Patriarca’” E assim que o médico ía embora, o pai dizia: “Tragam-me um livro mais grosso”.

Rosa Montero

quinta-feira, outubro 15, 2009