domingo, agosto 29, 2010

Embriaguez amorosa...


Com o amor dá-se o mesmo com o vinho. Perdoem-me as leitoras o pouco delicado da confortação; mas vêem que ambos eles embriagam. É portanto lícito compará-los Diz-se de certas pessoas – que têm o vinho alegre – de outras que – o têm tristeestúpidobarulhento conforme dá alguns a embriaguez para a hilaridade, a outros para o sentimentalismo, a outros para a modorra ou para brigas. Pois com o amor é o mesmo. Amantes há que celebram os seus amores, e até as suas infelicidades amorosas, sempre em estilo de anacreôntica – esses têm o amor alegre; outros que, quando amam, embora sejam ardentemente correspondidos, suspiram, procuram os bosques solitários, que enchem de lamentos, e as praias desertas, onde carpem com o alcião penas imaginárias – têm estes o amor sombrio; a outros serve-lhes o amor de pretexto para espancarem ou esfaquearem quantas pessoas imaginam que podem ser-lhe rivais ou estorvos, e, nesses acessos de fúria, chegam a espancar e a esfaquear o objecto amado – são os do amor barulhento e intratável; há-os que emudecem e embasbacam diante da mulher dos seus afectos, que em tudo lhe obedecem, que a seguem como o rafeiro segue o dono, e experimentam um prazer indefinível em adormecer-lhe aos pés – pertencem aos do amor impertinente e estúpido. Poderia ir muito longe essa classificação, se fosse aqui o lugar próprio para ela.
Júlio Dinis, “As Pupilas do Senhor Reitor”

terça-feira, agosto 17, 2010

Às alma nas encruzilhadas

Acho muito razoável a crença céltica de que as almas daqueles que perdemos estão cativas em algum ser inferior, num animal, num vegetal, numa coisa inanimada, efectivamente perdidas para nós até ao dia, que para muitos não chega nunca, em que acontece passarmos juntos da árvore, ou entrar na posse do objecto que é a sua prisão. Então eles estremecem, chamam por nós e, mal as reconhecemos, quebra-se o encanto. Libertadas para nós, venceram a morte e tornam a viver connosco.
Marcel Proust, “Em Busca do Tempo Perdido / Do Lado de Swann”

quarta-feira, agosto 11, 2010

Não ler!


Atente-se nesta observação de [Luís António de] Verney sobre um poeta seiscentista: «quando vejo um poeta destes, que se serve de expressões que nada significam, ou que compõem de sorte que não o entendam, assento que não quis ser entendido; e, em tal caso, procuro fazer-lhe a vontade e não o leio»
António Cabral, “Morfologia Literária – Noções fundamentais para o estudo da Literatura”