quinta-feira, outubro 21, 2010

Auxiliares da pós-colónia...

O escritor camaronês Celestin Monga sublinha, quanto a ele, a profundidade do mal: «As civilizações africanas perderam muito terreno desde há séculos». A seu ver, o continente «sofre de quatro défices profundos, que mutuamente se reforçam: o défice do amor-próprio e de auto-confiança; o défice de saber e de conhecimento; o défice de liderança e o de comunicação». Propõe por isso, que se façam reformas radicais, em particular dos sistemas educativos, cuja «principal função é fabricar funcionários públicos semi-letrados (...) para os transformar em auxiliares da pós-colónia».

domingo, outubro 17, 2010

Não estranhar a cama


Pinhel, 21 de Outubro de 1955 – Ah, sim, lá conhecer Portugal conheço-o eu! Não houve aceno de monte ou de planície que não respondesse. Subi a todas as serras e calcorreei todos os vales desta pátria. Por isso, quando chegar a hora da grande jogada, tenho um trunfo a meu favor que há-de desconcertar a morte: a íntima certeza de que não vou estranhar a cama, seja qual for o sítio onde me enterrem.
Miguel Torga, “Diário VIII”

sexta-feira, outubro 15, 2010

Poder reflector

(...) os que produzem obras geniais não são os que vivem no meio mais delicado, os que têm a conversa mais brilhante e a cultura mais extensa, mas o que tiveram o poder de, parando de repente de viver para si mesmos, tornar a sua personalidade semelhante a um espelho, de tal maneira que a sua vida, por muito medíocre que, por outro lado, pudesse ser mundanamente e até, em certo sentido, intelectualmente falando, nele se reflicta, já que o génio consiste no poder reflector e não na qualidade intrínseca do espectáculo reflectido.
Marcel Proust, “Em Busca do Tempo Perdido / A Sombra das Raparigas em Flor”

quarta-feira, outubro 13, 2010

Dos noruegueses...


O norueguês é uma pessoa moderada. A sua relação com Deus é parecida com a sua relação com o Rei. Ele pensa que Deus (e o Rei) está muito bem, na condição que se comporte como deve ser e de que não se meta muito nas suas vidas.
Odd Børretzen, cantor

sexta-feira, outubro 08, 2010

Anjos!


Quando o homem se lançou do último
vidoeiro do paraíso
Deus evitou que se despenhasse.

Trazia ainda no cabelo
já solto pelo vento
reflexos de muito ouro,
mas não sabia que tinha umas asas.

E Deus falou: ficas sem asas
o que não lhe tirou a serventia.
E deitou-lhas
no poço atónito dos olhos.
António Cabral, “Bodas Selvagens”

domingo, outubro 03, 2010

Há livros para...


Os leitores sabem que há livros que lemos depois de termos feito amor e livros para enganar a espera num aeroporto, livros para a mesa do pequeno-almoço e livros para a casa de banho, livros para as noites sem sono em casa e livros para os dias sem sono no hospital. Ninguém, nem mesmo o melhor dos leitores, pode verdadeiramente explicar porque é que alguns livros são bons para certas ocasiões e outros não. De forma indizível, as ocasiões e os livros, tal como os seres humanos, põem-se misteriosamente de acordo uns com os outros ou entram em conflito.
Alberto Manguel