sexta-feira, setembro 30, 2011

Censurado...




A cada cinco segundos, uma criança morre de fome. Não há dinheiro porque este é usado para salvar bancos.
Jean Ziegler, antigo relator especial do Concelho de Direitos Humanos na ONU para o direito à alimentação [Convidado a proferir um discurso durante a inauguração do Festival de Salzburgo, foi dispensado à última hora. Veio a publicar o seu discurso numa brochura.]

terça-feira, setembro 27, 2011

Hábitos


Era outro hábito: quando estava doente, mergulhava num romance de Alexandre Dumas pai: possuía as obras completas deste, numa velha edição popular de páginas amarelecidas e gravuras românticas, e bastava o cheiro que emanava desses livros para se recordar de todas as pequenas doenças da sua vida.
Georges Simenon, “Maigret e o Seu Morto”

sexta-feira, setembro 23, 2011

O kriol guineense

O crioulo da Guiné teve origem na língua portuguesa falada entre os séculos XV e XVII. Tornado idioma veicular das diversas populações da Guiné-Bissau, nele se misturam e confundem a vida e a memória de uma infinidade de locutores-transmissores, num espaço onde todos põem tudo e onde a escrita, por enquanto, não tem lugar.
Uma língua em gestação persegue a economia. Mas uma língua em liberdade não tem pressa e deixa que o excesso se espraie em todas as direcções, já que a eficácia da comunicação é assegurada por instâncias não linguísticas. Ao lado e antes das palavras, está a plena proximidade que não permite equívocos nem produz ruídos: o calor, a mímica, o contacto físico fazem soçobrar as regras já erigidas noutros lugares. (...)

O conto crioulo é um milagre sempre recomeçado. Miragem dos grandes e dos pequenos, realidade para todos e apesar de tudo, ele transforma o verbo em júbilo pela magia de uma língua mutante, feita de raízes africanas e europeias e de palavras mestiças.
Filho da mistura, o conto crioulo faz viver a palavra e vive da palavra que anima personagens familiares. Sejam eles Caçador, Feiticeiro, Combossa, Pauteiro, Bajuda submissa ou rebelde, estes arquétipos articulam-se segundo esquemas dinâmicos.
Teresa Montenegro e Carlos de Morais, “Uori – stórias de lama e philosophia”, Ku Si Mon editora

sábado, setembro 17, 2011

Génesis do vinho



Segundo o Génesis, Cap. IX, foi Noé o primeiro a plantar a vinha e a embriagar-se com o vinho.
Hernâni Cidade, notas a “Os Lusíadas” de Luís de Camões, 75,6 Canto VII

domingo, setembro 11, 2011

Dos artistas

Buarcos, 13 de Junho de 1943 – Dia entre pescadores. Eles a pescarem sardinha para a fome orgânica do corpo, e eu a pescar imagens para uma necessidade igual do espírito. Tisnados de saúde, os homens olham-me; e eu, amarelo de doença, olho-os também. Certamente que se julgam mais justificados do que eu, e que o mundo inteiro lhes dá razão. Mas de mesma maneira que eles, sem que ninguém lhes peça sardinha, se metem às ondas, também eu, sem que ninguém me peça poesia, me lanço a este mar da criação. Há uma coisa que nenhuma ideologia pode tirar aos artistas verdadeiros: é a sua consciência de que são tão fundamentais à vida como o pão. Podem acusá-los de servirem esta ou aquela classe. Pura calúnia. É o mesmo que dizer que uma flor serve a princesa que a cheira. O mundo não pode viver sem flores, e por isso elas nascem e desabrocham. Se olhos menos avisados passam por elas e não as podem ver, a traição não é dela, mas dos olhos, ou de quem os mantém cegos e incultos.
Miguel Torga, “Diário III”

terça-feira, setembro 06, 2011

De Lamego


- Com grande consolo, depois de ver uns países tão raivosos de progressos, vim topar Lamego não só não eivado da noção do tempo mas refractário de todo à febre moderna. Cheguei ao correio, e os funcionários ressonavam, com os carimbos ao lado, sobre os maços da correspondência, trazida a toda a pressa nos comboios rápidos e transatlânticos. Palavra! só depois do meu regresso pude gozar este espectáculo singular de ver à luz do dia a vida a viver!
Aquilino Ribeiro, “A Via Sinuosa”