quinta-feira, dezembro 29, 2011

Inflação editorial...

verifica-se hoje uma verdadeira inflação editorial. Publica-se tudo. E as técnicas comerciais de aumento de produção e expansão de mercados assenhoram-se por completo do sector, inundando com publicidade os meios de comunicação, impondo o livro ao comprador como se artigo de consumo se tratasse, e saturando as almas com doses de literatura em quantidade que supera a capacidade de leitura do público dos nossos dias. Natural, portanto, que as respostas ao direito de informação, em obediência a imperativos de natureza cívica ou doutrinárias, sejam sorvidas na torrente de publicações adquiridas num momento de menos ocupação e logo colocadas em prateleira de estante à espera de uma oportunidade de reflexão; ou então sejam lidas apressadamente sem o esforço de análise crítica que merecem, suscitando, por isso, quantas vezes, perigosas ou inconvenientes desvirtuações do pensamento ou da mensagem que contêm.
Parece então haver razões para se admitir que esse excesso de produção literária, dirigida a um público a quem se torna cada vez mais difícil definir critérios selectivos e sobrecarregando um escol para quem os dias são progressivamente mais curtos, esteja a retirar ao livro o seu carácter de instrumento por excelência de consciencialização humana, desse modo se acelerando o processo de massificação das sociedades. E quando se assiste no mundo inteiro à violação das consciências reduzidas à fixação de slogans, se observa a crescente alienação dos seres humanos perante os manipuladores de massas e se verifica a flagrante dualidade de verdades equívocas servindo causas opostas, então é lícito duvidar-se do interesse no debate de ideias, tornado inconsequente pela falta de eco em sociedades cada vez mais vazias e menos capazes de fruir os direitos em nome dos quais se deixaram mobilizar por interesses de minorias que lhes condicionam os padrões de atitude.
Perante essa limitação do sentido crítico, hoje extremamente facilitada pelo controlo da informação, as razões para que se publique um livro terão de ser suficientemente ponderosas em ordem a vencer a natural relutância decorrente de tantas interrogações.
António de Spínola, “Portugal e o Futuro” (1974)

domingo, dezembro 25, 2011

De um grupo de funcionários que ninguém elegeu...


vista de fora, a Zona Euro parece um daqueles países em vias de desenvolvimento, a quem o FMI impôs um dos seus rígidos programas de estabilização que o tornaram tão famoso: baixa inflação, rectidão fiscal, desregulamentação, privatização; tudo comandado por um grupo de funcionários que ninguém elegeu.
Andrea Boltho, «What’s Wrong with Europe», New Left Review, Julho-Agosto, 2003, p. 20