sábado, julho 28, 2012

Jagudi


O jagudi é uma ave curiosa. A parecer feita de várias outras aves. Bico recurvado de papagaio. Olhos vivos de falcão. Cabeça de galo a que amputaram a crista. Pescoço enrugado de peru em véspera de Natal. Corpo avantajado de avestruz, de penas sem brilho e de cor indefinida. Pernilongo como um flamingo, mas com aceradas garras de águia imperial. Anda no chão como se fosse um marinheiro nunca vindo a terra. Em contrapartida, na Guiné é rei dos céus, onde paira, elegante, especialmente enquanto o sol não transforma a manhã amena no inferno do meio-dia. É o mais eficiente dos funcionários municipais. Ocupa-se da limpeza da via pública e não há ponta de lixo que não atraia a sua visão de excepção. Lixo por ele removido, diligentemente, e levado para o ninho, dando às ruas e jardins o ar asseado da manhã.
Magalhães Pinto, “Os Heróis e o Medo”

sábado, julho 14, 2012

O vinho dos deuses





Com um gesto lento, virou o copo e deitou as últimas gotas de vinho na terra seca, que as bebeu avidamente. Era o gesto antigo para aplacar os deuses, e que no o Douro ninguém ousava esquecer nas noites ameaçadoras, quando o céu obscurecia por cima dos vinhedos.
Suzanne Chantal, “Ervamoira”