quarta-feira, outubro 31, 2012

Obra de muita gente...


se eu me for embora, se eu parar, se eu morrer, ou desaparecer, há gente aqui, neste Partido, que é capaz de andar com ele para a frente. Porque um homem que fez uma obra que só ele é capaz de continuar ainda não fez nada. Uma obra vale, na medida que é obra de muita gente.
Amílcar Cabral, “Nacionalismo e Cultura”

sexta-feira, outubro 26, 2012

ibérico + sefardita + berbere


Na Península Ibérica, em média, os homens apresentam 69,6% de ascendência ibérica («nativa»), 19,8% sefardita e 10,6% berbere. No Norte de Portugal, essas proporções são, respectivamente, de 64,7%, 23,6% e 11,8%; no Sul, de 47,6%, 36,3% e 16,1%
Rui Ramos (Coordenador), Nuno Gonçalo Monteiro, Bernardo Vasconcelos e Sousa, “História de Portugal”

sábado, outubro 13, 2012

Lagarada


meia-noite no lagar.
De aí a nada, arregaçados, os homens iam esmagando os cachos, num movimento em que havia qualquer coisa de coito, de quente e sensual violação. Doirados, negros, roxos, amarelos, azuis, os bagos eram acenos de olhos lascivos numa cama de amor. E como falos gigantescos, as pernas dos pisadores rasgavam máscula e carinhosamente a virgindade túmida e feminina das uvas. A princípio, a pele branca das coxas, lisa e morna, deixava escorrer os salpicos de mosto sem se tingir. Mas com a continuação ia tomando a cor roxa, cada vez mais carregada, do moreno, do sousão, da tinta-carvalha, da touriga e do bastardo.
A primeira violação tirava apenas a cada tacho a flor de uma integridade fechada. Era o corte. Depois, os êmbolos iam mais fundo, rasgavam mais, esmagavam com redobrada sensualidade, e o mosto ensanguentava-se e cobria-se de uma espuma leve de volúpia.
Miguel Torga, “Vindima” (1945)

terça-feira, outubro 02, 2012

Azémola!


Azémola de moleiro, com mais manha que o amo, para avançar havia de escolher o piso, ladeando os desníveis do terreno, e porfiando a todo o transe na verdade matemática de que mais segura que a recta é a linha curva.
E se eu tinha descuido em tangê-la, ternamente se ensimesmava em contemplação, detendo-se de orelhas em riste para um campo que verdejasse, ou pondo-se a tosar os jactos de junquilhos, que a mão graciosa do Criador plantara pelos andurriais para os nossos humildes irmãos, segundo a lírica franciscana. Outras vezes, suspendia-se a calcular a operação duma subida, até que eu incentivasse com um irosíssimo: anda, azémola do demo!
Aquilino Ribeiro, “A Via Sinuosa”