domingo, janeiro 31, 2016

estados primordiais

E já se vai construindo uma teoria que explica a nossa perpétua solidão: se nos mantivermos sem companheiro entre os que nos disseram ser nossos semelhantes, é porque não encontramos nenhuma criatura espontânea. Ninguém que saiba dar-nos ocasião a estados primordiais, e a abafarmos com eles a nossa existência para uma magia ao mesmo tempo magnífica e brutal.
René Crevel, “O Meu Corpo e Eu”

domingo, janeiro 24, 2016

Madame Bovary, c’est moi

Que sensação deliciosa é escrever, não estar concentrado em si, mas circular por toda a criação de que falamos. Hoje, por exemplo, senti-me homem e mulher juntos, amante e amada sucessivamente, passeei a cavalo por uma floresta, numa tarde de outono, sobre um tapete de folhas amarelas. E eu era os cavalos, as folhas, o vento, as palavras que eles trocavam, e o sol vermelho que os fazia cerrar levemente as pálpebras sob o peso do amor.
carta de Flaubert a Louise, 23 de dezembro de 1853


domingo, janeiro 17, 2016

Douro: arquitectura maison style ou suburbana...


Por vezes precisamos de um forasteiro para reconhecer o valor das nossas coisas. Eu não precisava de um forasteiro para valorizar a paisagem, mas precisava de um que me conseguisse fazer ignorar a fealdade da arquitectura maison style ou suburbana dominante nas terrinhas do Douro. O Nik nem via o mau gosto das construções e das ruas, de olhar preso no rio, nas encostas, nos socalcos, e certamente um pouco cego pela intensa luz solar.
Rui Ângelo Araújo, “A Origem do Ódio – Crónica de um Retiro Sentimental”