sábado, junho 30, 2012

Diz o antropólogo ao economista


Aquilo que o antropólogo recorda ao economista, caso ele venha a esquecê-lo, é que o homem não é pura e simplesmente incitado a produzir cada vez mais. Ele procura também, no trabalho, satisfazer aspirações que estão enraizadas na sua natureza profunda: realizar-se como indivíduo.
Claude Lévi-Strauss (1980-2009), “A Antropologia face aos Problemas do Mundo Moderno”

domingo, junho 17, 2012

Pena leve

O curioso – e peço-lhe que não veja no que vou dizer alusão à sua pessoa – é que não há ninguém que se não julgue habilitado a manejar a pena. Porquê? Tenho-me perguntado muitas vezes. Provavelmente devido ao pouco peso do objecto e ainda à passividade do papel em branco. Não será isso? Admito também que se escrevam cartas à prima, cartas que a deixem babadinha de todo, e que resulte daí, para quem as escreve, bem entendido, não parecer milagre nenhum compor a Arte de Amar, de Ovídio.
Aquilino Ribeiro, “Lápides Partidas”

quinta-feira, junho 07, 2012

Altar de Cabrões

Altar de Cabrões, 9 de Agosto de 1944 – Estou a mil e quinhentos e trinta e seis metros, perto do céu, a ver o Barroso, o Marão, a Peneda, a serra Amarela e o Lindoso. Estou sentado num marco que separa Portugal de Espanha, mas o sítio chama-se Altar de Cabrões e foi, como se vê, o olimpo de majestades cornudas, a ara de alguns daqueles sagrados deuses lusitanos, de que só restam nomes e cascos. Cada vez sei menos de rezas e de santos. Mas quando pressinto pegada de velho Endovélico, tenho logo vontade de me prosternar e benzer. O catolicismo, sem o Cristo querer, encheu este mundo de cruzes e água benta. Ora estes nossos patrícios deuses de chifres eram portadores de uma virilidade mágica, que não nega nem degrada a natureza. Nada de agonias lentas em madeiros de cedro. Água, frutos, sol, e uma divindade fundamentada na verdade feiticeira das coisas.
Miguel Torga, “Diário III”

sábado, junho 02, 2012

Tripeiros


Os naturais do Porto são conhecidos por “tripeiros”, designação que se deve ao sacrifício que fizeram para apoiar a preparação da armada para a conquista de Ceuta em 1415. Diz-se que ofereceram aos expedicionários toda a carne disponível ficando apenas com as tripas.
Suzanne Chantal, “Ervamoira”