sábado, dezembro 28, 2013

Islão & Política



Deus quis que o islão fosse uma religião mas os homens quiseram fazer dele uma política. A religião é geral, universal, totalizante. A política é parcial, tribal. Restringir a religião à política é confiná-la a um domínio estreito, a uma colectividade, região e momento preciso. A religião eleva o homem para o que ele pode dar de melhor, a política tende a despertar os instintos mais vis. Fazer política em nome da religião é transformar esta última em guerras intermináveis e em divisões partidárias sem fim, é reduzir os objectivos às posições procuradas e aos ganhos esperados. Por estas razões, a politização do religioso ou a sacralização do político só podem ser factos de espíritos mal intencionados e perversos, a não ser que sejam ignorantes. Uma e outra acabam por fundamentar na religião o oportunismo e a cobiça, por encontrar justificações corânicas para a injustiça, por rodear a delinquência de uma aura de fé, e por fazer passar por um acto de guerra santa o sangue injustamente derramado”.
Muhhamad Said al-Ashmawy, “L’Islamisme contre l’Islam”

quarta-feira, agosto 28, 2013

... o livreiro publica a leitura


A escrita, o livro, a leitura: um mundo! Vasto e complexo mundo! Quem encontrarei disponível para me acompanhar num breve olhar sobre ele?
Mundo habitado. O olhar encontra imediatamente os escritores e os leitores. Depois, entre a escrita e o livro, está o editor com o seu trabalho emérito. Entre o livro e a leitura estou eu, o livreiro. O escritor publica a escrita, o editor publica o livro, o livreiro «publica» a leitura.
Resendes Ventura, “Papel A Mais – Papéis de um livreiro com inéditos de escritores”

terça-feira, junho 25, 2013

Carteiristas UE


Não há, nunca houve Europa, no sentido que esta palavra tem em diplomacia. Há hoje um grande pinhal de Azambuja, onde rondam meliantes cobertos de ferro que se odeiam uns aos outros, tremem uns dos outros, e, por um acordo tácito, permitem que cada um por seu turno se adiante – e assalte algum pobre diabo que vegeta ou trabalha ao canto do seu cerrado. (...) A Europa, como os campos de corridas em Inglaterra, devia estar coberta destes avisos em letras gordas: Bewareofpick-pokets! (Cautela com os salteadores!)
Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra (1905)

quinta-feira, maio 30, 2013

Amanhar, sulfatar, camear, desbagoar, cavar...

A Primavera não concedia tréguas. Era preciso amanhar a terra, sulfatar, camear, desbagoar e cavar à volta de cada cepa a fossa que reteria a água das últimas chuvadas; podia não cair nem mais uma gota de água até Setembro.
Suzanne Chantal, “Ervamoira”

quinta-feira, maio 16, 2013

Cabral sabia...




Cabral sabia. E insistiu, previu, preveniu: «libertação nacional, luta contra o colonialismo, construção da paz e progresso, independência – tudo isso são coisas vazias e sem significado para o povo se não se traduzem por uma real melhoria das condições de vida.» (“Destruir a economia do inimigo e construir a nossa própria economia”)
António E. Duarte, “A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa”

domingo, maio 05, 2013

Enfermo


 - Ainda a doença é uma bondade de Deus, Filipe. No nosso ser acordam as pequeninas almas a que não se presta atenção quando se está de boa animalidade. Podia eu alguma vez julgar que até no voo das gaivotas está desenhado o hieróglifo da Divina Graça!? Ao enfermo, porque não tem que fazer, sobra-lhe tempo para dar volta à casa. À casa interior, bem entendido. Que coisas, mal arrumadas umas, imprevistas outras, que ocas e teias de aranha pelas paredes, se não descobrem!? O homem sadio é o que menos se conhece, pois nunca se deu ao trabalho de olhar para dentro de si. O nosso seio, irmão, é uma cisterna lôbrega e só depois de se acostumar a vista à penumbra, se arregalarem bem os olhos, é que se consegue enxergar alguma coisa. O que eu fui encontrar nos meus subterrâneos.
Aquilino Ribeiro, “Humildade Gloriosa”

domingo, abril 28, 2013

Douro sublimado


S. Leonardo de Galafura, 8 de Abril de 1977 – O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza. Socalcos que são passados de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor pintou ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis de visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta».
Miguel Torga, "Diário XII"

sexta-feira, abril 19, 2013

A intenção


Àparte outras coisas mais simpáticas, o casamento é a transformação de um sentimento privado numa obrigação pública. Este ou esta amar aquela ou aquele por todo o sempre com a exclusão de todos os outros e de todas as outras. Quem alguma vez tenha amado sabe perfeitamente que é isso que apetece, que o amor é eterno e único durante algum tempo. E depois logo se vê. Mas essa é a melhor justificação que pode haver para o casamento. A intenção.
Hélder Macedo, “Solteiros e casados”, “JL” n.º 1106

quinta-feira, março 07, 2013

Língua imperial

Só as linguas dos povos, que criam imperio, teem direito ao futuro, e, portanto, ao presente nacional. Nós portuguezes, somos um povo pequeno, mas somos um povo imperial, cuja lingua alastrou por sobre o mundo, que criámos civilização, e não simplesmente a vivemos
Fernando Pessoa, “Ibéria – Introdução a Um Imperialismo Futuro”

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Ontem e hoje


Sustado no meio do seu desenvolvimento, Portugal nunca pôde na administração pública compensar a receita com a despesa, nem economicamente estabelecer o equilíbrio entre a produção e o consumo, de forma a tornar-se um organismo, satisfazendo-se todas as exigências da vida social. Por isso, sucedem-se amiúde as catástrofes que a população expia em silêncio; por isso, os melhores tempos são sempre duma prosperidade aparente, porque dependem de condições fortuitas, fora da sua acção.
Alberto Sampaio, “Ontem e Hoje”, 1892

domingo, fevereiro 10, 2013

Homens superiores!


Eu compreendo o pessimismo de certos homens superiores e o seu desdém pela opinião das maiorias. Compreendo a misantropia de certas criaturas dotadas de superioridade intelectual ou moral. (...) As maiorias são a mediocridade, o tipo médio de uma dada época. O homem superior sendo o esboço, o embrião, a síntese individual, de uma época futura, não pode furtar-se de quando em quando pelo menos, a um sentimento de desprezo pelos homens, pela massa comum da humanidade, pelas maiorias em suma. A razão das maiorias é uma força conservadora, a razão dos homens superiores é uma força criadora. (...)
O direito dos homens superiores, das minorias criadoras, inteligentes e cultas, é proclamar a verdade. O direito das maiorias é discuti-la e valorizá-la pela resistência. (...)
No futuro triunfam sempre as minorias; a minoria progressiva nas sociedades que avançam e vivem, a minoria regressiva nas sociedades que recuam e morrem.
Manuel Laranjeira, «Os Homens Superiores na Selecção Social», A Águia (1.X.1910)

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Rimando


Lá vai o rato
- que pelitrapo! –
a fugir ao gato
pelo meio do mato,
dizendo gaiato:
- Ó mentecapto,
desta bem escapo!
Mas o gato,
nada abstracto,
fino velhaco,
não dá cavaco.
Sem espalhafato
arranja um saco,
feito de trapo,
e um saca-trapo.
No mesmo acto
encontra o sapo,
que ía prò Buçaco
e diz imediato:
- Ò meu beato,
pega-me do saco.
Não sejas pato!
Olha que te mato,
dou com o taco
ou com o sapato,
esfolo, escavaco,
faço num farrapo.
Pega-me no saco,
ganhas um pataco,
comes um naco...
Vai o sapo,
pessoa de tacto
e de recato,
em seu monacato,
a evitar pugilato,
pegou no saco.
E o gato,
barbato,
com o saca-trapo,
rapo que rapo,
tirou o rato
do buraco,
caverna do Caco.
Depois, jenipapo,
o nosso gato,
sem se importar do sapo
todo timorato,
nada Viriato,
com horror do facto,
dispensando prato,
sem guardanapo,
nem aparato,
contente e guapo
mais que o Fortunato
debaixo do cacto,
- corpo di Bacco! –
meteu-o no papo.
Aquilino Ribeiro, “Cinco Réis de Gente”

sexta-feira, janeiro 25, 2013

Sobre o teatro, segundo Joaquim Benite


A raiva interiorizada pode ser muito mais violenta do que a “gritaria”. Se um ator gritar na direção de um espetador, este é afetado emocionalmente por um ruído: não é a sua consciência crítica que está a ser abordada. (...)
O gesto do ator deve resultar de um movimento interior dele mesmo, com um significado, senão redunda no esbracejar, que já Hamlet criticava nos atores: “Por que é que agridem o ar? Ele fez-vos algum mal?”
Rodrigo Francisco, “Notas para uma encenação” – a propósito de Joaquim Benite, JL n.º 1101