quarta-feira, dezembro 30, 2015

TV & Maio de 68

Julho de 2001 – Na TV, há pouco, assisti a uma evocação de Maio de 68: o trânsito parado em Paris e uma multidão por entre discursos, por entre abraços e policias de “casse tête” no ar. Condenava-se a poluição, a americanização do mundo, o consumismo. Encerrado o documentário, não é que a TV, pressurosa e ignóbil, vem fazer a publicidade dos automóveis, dos detergentes e das mil e uma coisas supérfluas com que se enganam os inocentes – isto de imediato e com o maior despudor.
Fernando Aires, “Era Uma Vez o Tempo – Diário VI” (fragmentos)


domingo, outubro 25, 2015

Etnografia y Folklore de Galicia


Non te cases cun ferreiro
que tem moito que lavar,
cásate c-un mariñeiro
que ven lavado do mar.
Fermín Bouza Brey, “Etnografía y Folklore de Galicia”

terça-feira, outubro 20, 2015

Sou do paradoxo

Já dizia o Agostinho da Silva: não sou do ortodoxo nem do heterodoxo; cada um deles só exprime metade da vida; sou do paradoxo que a contém no total.
Manuel Monteiro, “O Falcão Albanês”


sábado, agosto 29, 2015

Prémio Animal Cavaco Silva


Em Portugal, os homens do mar estão em vias de extinção, ou quase. Os dados referentes aos últimos 20 anos são esclarecedores. O número de pescadores nacionais caiu de 30 mil em 1995 para menos de 19 mil e para cerca de 16.700 em 2013. Em contraciclo com o crescimento das frotas europeias e mundiais nas últimas cinco décadas, a frota de navios de comércio de bandeira portuguesa e com registo convencional português, controlados por armadores nacionais decresceu de 94 navios em 1980 para 58, em 1990; 28, em 2000; 17, em 2005; 13, em 2010; por fim, 10, em 2015.
Filipa Melo, “Os Últimos Marinheiros”, Ler – Livros e Leitores” n.º 138, Verão 2015

segunda-feira, agosto 24, 2015

Fala da Rainha para Bento Banha Cardoso


Fala da Rainha para Bento Banha Cardoso

Antes do mais sou fêmea, capitão
e vós sabeis
que uma mulher dispõe
de outros recursos.
Para vosso desfavor
eu sou mulher
e rei
cabo de guerra
e negra.
Respondo pela voz da fêmea:
- aspiro a ver-vos rendido.
respondo pela voz do povo:
- o povo quer-vos vencido.
Pela voz das tropas respondo:
- apraz-nos ver-vos em fuga.
Respondo pela voz da raça:
- a raça quer-vos humilde.
A guerra é sem quartel
capitão-mor
e se eu morrer sem ver-vos
de abalada
hei-de parir quem cumpra
essa alegria.

(1974)

Ruy Duarte de Carvalho, “Lavra – Poesia Reunida 1970 / 2000”

segunda-feira, agosto 10, 2015

o Porto é...

- Diga menina, disse o empregado dirigindo-se a ela.
Este doce hábito de tratar as pessoas, tão típico do Porto, em que o termo “menina”, vai dos cinco aos noventa e cinco anos.
Armando Sena, “Colheita de Incertezas”


quarta-feira, agosto 05, 2015

fonte de todos os tormentos


«Encham os homens de informações inofensivas, incombustíveis, que eles se sintam a rebentar de “factos”, informados acerca de tudo. Em seguida, eles imaginarão que pensam e terão o sentimento do movimento, enquanto realmente apenas se arrastam. Serão felizes porque os conhecimentos deste género são imutáveis. Não os levem para terrenos escorregadios como a filosofia ou a sociologia, em que tenham de confrontar a sua experiência. É a fonte de todos os tormentos.» 
Ray Bradbury, in Fahrenheit 451 (1953)

segunda-feira, agosto 03, 2015

da escrita: a caneta que mente!

Às vezes a caneta começa a falar por nós e afasta-se da justeza dos nossos sentimentos, como se soubesse mais do que nós ou tirasse prazer de os modificar: sem verdadeiramente nos trair, mente onde queríamos ser sinceros.
José Dias de Souza, “A Sétima Letra”

domingo, junho 21, 2015

Um passo maior que a perna


Reprodução é coisa que não existe. Quando duas pessoas decidem ter um bebé, elas empenham-se num ato de produção, e o uso generalizado da palavra reprodução para esta atividade, com a implicação de que duas pessoas mais não fazem senão entrançar as suas características, é quando muito um eufemismo para consolar os potenciais progenitores, antes de eles decidirem dar um passo maior que a perna.
Andrew Solomon, “Far From The Tree” 

domingo, abril 19, 2015

extremamente dificeis os retratos das creanças, e dos passaros; e impossiveis os das dançarinas e dos doidos

«- Tende a bondade de vos sentar: não haveis de chegar a impacientar-vos. Muito bem, a vossa nuca inteiramente descansada n’este círculo de metal; essa perna sobre a outra, o braço estribado na banca; d’este modo podereis conservar-vos immovel por um terço de minuto, mas immover com a mais perfeita immobilidade. Sem isso correrieis grande perigo de voa aparecerdes com quatro ou seis olhos, duas ou tres bocas, um rosto e meio, ou um nariz mais comprido que todo o corpo, é o que torna extremamente dificeis os retratos das creanças, e dos passaros; e impossiveis os das dançarinas e dos doidos» António Feliciano de Castilho (1800-1875)
Paulo Artur Ribeiro Baptista, “A Casa Biel e as suas edições fotográficas no Portugal de Oitocentos”

domingo, março 29, 2015

Otimista

Millôr, você se considera um otimista?
(Pausa) É uma pergunta difícil. Olha, eu acho... Eu dou como ilustração da vida o seguinte: o cara que salta do centésimo andar e ao passar pelo oitavo ele diz: “Até aqui tudo bem”. A vida é isso...
Millôr Fernandes, “A Entrevista”