terça-feira, fevereiro 12, 2013

Ontem e hoje


Sustado no meio do seu desenvolvimento, Portugal nunca pôde na administração pública compensar a receita com a despesa, nem economicamente estabelecer o equilíbrio entre a produção e o consumo, de forma a tornar-se um organismo, satisfazendo-se todas as exigências da vida social. Por isso, sucedem-se amiúde as catástrofes que a população expia em silêncio; por isso, os melhores tempos são sempre duma prosperidade aparente, porque dependem de condições fortuitas, fora da sua acção.
Alberto Sampaio, “Ontem e Hoje”, 1892

domingo, fevereiro 10, 2013

Homens superiores!


Eu compreendo o pessimismo de certos homens superiores e o seu desdém pela opinião das maiorias. Compreendo a misantropia de certas criaturas dotadas de superioridade intelectual ou moral. (...) As maiorias são a mediocridade, o tipo médio de uma dada época. O homem superior sendo o esboço, o embrião, a síntese individual, de uma época futura, não pode furtar-se de quando em quando pelo menos, a um sentimento de desprezo pelos homens, pela massa comum da humanidade, pelas maiorias em suma. A razão das maiorias é uma força conservadora, a razão dos homens superiores é uma força criadora. (...)
O direito dos homens superiores, das minorias criadoras, inteligentes e cultas, é proclamar a verdade. O direito das maiorias é discuti-la e valorizá-la pela resistência. (...)
No futuro triunfam sempre as minorias; a minoria progressiva nas sociedades que avançam e vivem, a minoria regressiva nas sociedades que recuam e morrem.
Manuel Laranjeira, «Os Homens Superiores na Selecção Social», A Águia (1.X.1910)

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Rimando


Lá vai o rato
- que pelitrapo! –
a fugir ao gato
pelo meio do mato,
dizendo gaiato:
- Ó mentecapto,
desta bem escapo!
Mas o gato,
nada abstracto,
fino velhaco,
não dá cavaco.
Sem espalhafato
arranja um saco,
feito de trapo,
e um saca-trapo.
No mesmo acto
encontra o sapo,
que ía prò Buçaco
e diz imediato:
- Ò meu beato,
pega-me do saco.
Não sejas pato!
Olha que te mato,
dou com o taco
ou com o sapato,
esfolo, escavaco,
faço num farrapo.
Pega-me no saco,
ganhas um pataco,
comes um naco...
Vai o sapo,
pessoa de tacto
e de recato,
em seu monacato,
a evitar pugilato,
pegou no saco.
E o gato,
barbato,
com o saca-trapo,
rapo que rapo,
tirou o rato
do buraco,
caverna do Caco.
Depois, jenipapo,
o nosso gato,
sem se importar do sapo
todo timorato,
nada Viriato,
com horror do facto,
dispensando prato,
sem guardanapo,
nem aparato,
contente e guapo
mais que o Fortunato
debaixo do cacto,
- corpo di Bacco! –
meteu-o no papo.
Aquilino Ribeiro, “Cinco Réis de Gente”