sexta-feira, fevereiro 12, 2021

Portugal e Galiza, Castelao

Até há pouco tempo as relações de Portugal e a Galiza reduziam-se a visitas académicas de tunos e professores. A Universidade castelhana que o estado Hespanhol sustenta em Santiago de Compostela, bem podia entender-se com a Universidade de Coimbra - «esse terrível foco desnacionalizador, por cruel ironia situado no meio da mais estranha paisagem quinhentista» [Teixeira de Pascoaes, “O Espírito Lusitano”] –, sem comprometerem o artifício cultural e político em que vivíamos. Os visitantes universitários de além-Minho esmeravam-se em falar-nos num castelhano risível, e jamais deixaram um só livro em português posto à venda nas nossas livrarias. Consideravam natural que os Galegos só pudéssemos comprar obras portuguesas traduzidas infamemente para castelhano, porque não sabiam que podíamos lê-las no idioma de origem. Lembro-me que no ano de 1906 fui eu a Coimbra numa Tuna académica e os estudantes lusitanos assanhavam-se quando eu lhes falava em galego, como se com isso lhes lembrasse qualquer origem bastarda. Não lhes importava que juntos connosco, numa unidade superior às contingências políticas, tivéssemos criado monumentos literários que são marcos da civilização ocidental, numa língua que eles depuraram e agigantaram, mas que nós soubemos manter em pristina enxebreza e no estado eminentemente popular daquela literatura. Para eles a Galiza estava no Norte, embrulhada em nevoeiros e em chuvas... e os estudantes portugueses eram doidos pelas zarzuelas madrilenas e sonhavam com amores sevilhanos... E contai com que na altura primavam em Coimbra os ideais republicanos.

Castelao, “Sempre em Galiza”