quarta-feira, janeiro 29, 2020

cartas a Miguel Torga


Caro Autor. Para acudir a muitos alunos do curso secundário, e a bem do malfadado ensino do português, peço-lhe o grande favor de duas linhas nas quais, em letra bem redonda, afirme a condição humana da Madalena dos seus Bichos, negando que ela seja uma cabra ou uma burra, como pretendem umas senhoras mestras de tão impenetrável ignorância, que só se darão por vencidas se (cito) ‘o próprio Torga disser que ela é mulher’.
curto bilhete de Eduardo Jorge Frias Soeiro, professor, Portimão – “Cartas para Miguel Torga” organização de Carlos Mendes de Sousa

domingo, janeiro 26, 2020

Lisboa, por Miguel de Cervantes


- Alvíssaras, senhores, alvíssaras peço e alvíssaras mereço! Terra! Terra! Embora melhor eu deveria dizer: céu!, céu!, porque sem dúvida estamos no sítio da famosa Lisboa.
(...) Aqui, nesta cidade, verás como são carrascos da doença muitos hospitais que a destroem, e o que neles perde a vida, envolto na eficácia de infinitas indulgências, ganha a do céu. Aqui o amor e a honestidade dão as mãos, e passeiam juntos, a cortesia não deixa que dela se aproxime a arrogância, e a bravura não consente que se aproxime dela a cobardia. Todos os seus moradores são agradáveis, são corteses, são generosos e são enamorados, porque são inteligentes. A cidade é a maior da Europa e a de maiores negócios; nela se descarregam as riquezas do Oriente, que daí são repartidas pelo universo; o seu porto é espaçoso, não só de naves que se possam reduzir a um número, mas de selvas móveis de árvores que os das naves formam; a formosura das mulheres admira e enamora; a galhardia dos homens causa espanto, como eles dizem; finalmente, esta é a terra que dá ao céu um santo e abundantíssimo tributo.
Miguel de Cervantes, “Os Trabalhos de Persiles e Sigismunda” (1580-1615)