domingo, janeiro 26, 2020

Lisboa, por Miguel de Cervantes


- Alvíssaras, senhores, alvíssaras peço e alvíssaras mereço! Terra! Terra! Embora melhor eu deveria dizer: céu!, céu!, porque sem dúvida estamos no sítio da famosa Lisboa.
(...) Aqui, nesta cidade, verás como são carrascos da doença muitos hospitais que a destroem, e o que neles perde a vida, envolto na eficácia de infinitas indulgências, ganha a do céu. Aqui o amor e a honestidade dão as mãos, e passeiam juntos, a cortesia não deixa que dela se aproxime a arrogância, e a bravura não consente que se aproxime dela a cobardia. Todos os seus moradores são agradáveis, são corteses, são generosos e são enamorados, porque são inteligentes. A cidade é a maior da Europa e a de maiores negócios; nela se descarregam as riquezas do Oriente, que daí são repartidas pelo universo; o seu porto é espaçoso, não só de naves que se possam reduzir a um número, mas de selvas móveis de árvores que os das naves formam; a formosura das mulheres admira e enamora; a galhardia dos homens causa espanto, como eles dizem; finalmente, esta é a terra que dá ao céu um santo e abundantíssimo tributo.
Miguel de Cervantes, “Os Trabalhos de Persiles e Sigismunda” (1580-1615)

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