Assim lhe aconteceu
a São Roque: enfermou, e enfermou de peste. E entre as misérias, que fazem tão
terrível, tão temido, e tão aborrecido o mal de peste, duas são as que a mim me
causam maior horror. A primeira, ser a peste um mal, que do elemento da vida
nos faz o instrumento da morte. O elemento da vida é o ar, com que respiramos,
a peste é esse mesmo ar corrupto, e inficionado: e que haja um homem de beber o
veneno na respiração? Que a respiração, que é o elemento, e alimento da vida,
se lhe haja de converter em instrumento da morte? Grande rigor! Expirar é
morrer, respirar é viver: e que morra um homem expirando, isso é morte; mas
morrer respirando? Que me mate o que me havia de dar vida? Bravo tormento!
Padre António
Vieira, “Sermão de São Roque” – Pregado na Capela Real, ano de 1649, havendo
Peste no Reino do Algarve