Quanto a mim, odeio
e com belo ódios esses povos acalvinados. Lutero é a sombra desse século. O
catolicismo era vermelho; o protestantismo é pior por ser incolor, é neutro e
anda na História vestido de droguete cinzento como uma farroupilha. Suprimiu os
vitrais das igrejas, não é preciso dizer mais nada, e subiu até ao queixo a
blusa das mulheres; isto aboliu os seios das santas e tudo o que punha flores
nos olhos... Os vitrais flamejantes das rainhas com veste de pedrarias, e da
nudez dos arcanjos, era um pouco de céu vivo nas ogivas. O colo nu das mulheres
a sair para fora das blusas era um pouco de amor, e portanto um pouco mais de
paraíso na parda monotonia dos dias.
Jean Lorrain, “O Senhor de
Bougrelon”
Citações... Acontece em leituras deparar com a frase perfeita, ou um pensamento elaborado tal qual o sentimos e gostaríamos de escrever, ou o espanto da descoberta de um conceito com o qual passamos a concordar plenamente, ou de uma ideia marcada pela incongruência do tempo, etc! É disso que se trata este blog. Não irei escrever nada de meu mas irei citar (apropriar-me) o que é de outros e que a outros pertence.
quinta-feira, agosto 21, 2014
quarta-feira, agosto 13, 2014
Quero crer...
Todos pensávamos
até há pouco tempo que o progresso técnico e o avanço da ciência podiam
resolver todos os problemas, podiam ajudar a produção agrícola, iam melhorar a
sua potencialidade proteica e vitamínica, contribuindo de forma decisiva para
resolver o flagelo da fome no mundo. A miséria e os gritantes desníveis sociais
poderiam ser minorados pela inovação tecnológica, pela ciência produzida nos
nossos laboratórios, pela agricultura moderna. E, infelizmente, tudo está a
acontecer precisamente ao contrário.
A quantidade de
produtos tem de facto aumentado, pelo menos aparentemente, mas a qualidade tem
vindo a diminuir, com a exagerada utilização de fertilizantes e todo o género
de bioquímicos que, lenta mas inexoravelmente, vão degradando os alimentos,
provocando e activando enfermidades antes desconhecidas, empobrecendo os solos
e inquinando as águas. Isto sucede no chamado mundo rico, porque nos países
excluídos do progresso moderno a exploração desenfreada das multinacionais
tem-lhes levado a fome e a miséria mais desumanas. É uma situação insustentável
que mesmo nos países abastados, em rápido processo de engorda, pode levar a
profundas convulsões sociais e sobretudo a uma inadiável revolução agrícola.
Seja agricultura verde, seja biológica, algo tem de acontecer em tempo útil,
enquanto o solo arável não tiver sido completamente destruído pelos químicos
poluentes e pela urbanização selvagem. Porque é da terra que temos de continuar
a comer.
A terra, num futuro
mais próximo do que imaginamos, terá de sofrer profunda conversão. Na
recuperação dos sistemas de rega, no plantio de áreas hortícolas, no incentivo
da policultura, na redistribuição da propriedade e, sobretudo, no controlo e na
posse social da terra.
Todo este processo,
imparável a médio termo, vai necessitar outra vez de camponeses, de alguém que
saiba ainda trabalhar os campos. A terra, pela sua raridade cada vez mais
preciosa, tende necessariamente a tornar-se, não só propriedade colectiva,
como, sobretudo, um património cultural, como um bem social a preservar.
A agricultura
capitalista, no seu afã exclusivo de lucro fácil, começa a mostrar a sua
incapacidade de abastecer o seu próprio mercado e sobretudo de controlar a
qualidade. E a qualidade alimentar começa a ser a pedra de toque de uma
sociedade cada vez mais consciente e que neste sector não perdoa a ganância
desenfreada dos agentes comprometidos nas mais graves manipulações químicas ou
genéticas.
E, no entanto,
actualmente todo o sistema de comercialização continua a avaliar os géneros
alimentares pelo seu exclusivo peso-valor. Porém, muito brevemente, será
decisivo o controlo de qualidade, em que serão excluídos os pesticidas,
antibióticos, hormonas e todos os venenos químicos que hoje são incorporados ao
alimentos que consumimos diariamente.
Embora tímida, em
vários pontos da Europa, e também entre nós, em simultâneo com a concentração
em bairros urbanos periféricos dos camponeses do interior rural, é já sensível
uma sensação de clausura, um desejo de fuga da selva urbana em que se
transformaram as antigas cidades onde ainda há poucos anos era sensível e
dominante a escala humana. Os actuai e desproporcionados monstros urbanos têm
vindo a matar a sua própria razão de ser. A antiga cidade, a polis
mediterrânica – Lisboa e tantas outras – têm vindo a assistir à destruição
inexorável da sua cintura agrícola. As suas hortas e pomares, tão celebrados –
de loures, de Frielas, da Amadora – estão agora debaixo de prédios e ruas
asfaltadas, soterradas por lixeiras e esgotos. Os problemas não vêm apenas da
construção, do cimento, e sim do que tudo isso implica, como poluição da terra
e das águas. Dentro de poucos anos, toda essa gente em expansão desordenada não
vai poder aqui sobreviver. As belas cidades antigas, com os cascos históricos
que serviam de pólo aglutinador e de referência cultural, que foram a matriz da
nossa civilização, estão a ser abandonados, num estado deplorável de degradação
arquitectónica e social. Os bairros-dormitório dos arrabaldes, sem alma e sem
qualquer identidade, abrigo privilegiado da marginalidade e da violência,
proliferam como cogumelos, entregues em exclusivo aos interesses da especulação
imobiliária.
Por outro lado, as
zonas rurais do interior estão a ser sistematicamente despojadas dos seus
apoios cívicos e administrativos: as escolas fecham por terem poucos alunos, os
postos de correio desaparecem, os meios de transporte colectivos são
eliminados, os serviços sociais são centralizados, e até costumes culturais e
alimentares, fortemente enraizados, são esquecidos ou proibidos porque,
simplesmente, não se coadunam com os gostos e hábitos das anafadas sociedades
anglo-saxónicas. Tudo isto são incentivos ao abandono das zonas rurais e à
superconcentração urbana.
Quero crer, porém,
que as zonas rurais do interior, onde ainda resta terra limpa e água não
poluída, serão um crescente atractivo e que, numa só geração, irão beneficiar
de uma importante recuperação demográfica. Este movimento para o interior, se
hoje é ainda incipiente, muitas vezes apenas alimentado pelo turismo ou por um
certo romantismo de regresso à natureza, vai com certeza transformar-se num
percurso vital de populações, sobretudo jovens, que procuram sobreviver. A água
e a terra, como bens cada vez mais preciosos, a própria sociabilidade
solidária, continuam a ser indispensáveis para a alimentação do corpo e saúde
mental do ser humano, que, ao contrário do que muitas vezes se pensa, não é
muito diferente do barbudo pré-histórico.
Cláudio Torres, “O Alentejo
Agrícola – um pouco de história”
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