Alguém que se preze
e esteja no uso atilado das suas faculdades mentais, andará porventura aos
bordos pelas ruas da cidade, sairá de casa em trajes menores para ir tratar dos
seus negócios, dirigirá insultos às pessoas desconhecidas por quem for
passando? Esperemos que não. E, no entanto, há casas que parecem empenhadas em
nos mostrar o destrambelho das suas disposições; fachadas que agridem os nossos
olhos com o disparate das formas e das cores; macaquices à laia de
ornamentações; janelas que são esgares; portas de expressão tão alvar que,
quando abertas, só esperamos que delas saia alguma asneira... e tudo isto se
tolera, e ninguém vai preso – nem donos, nem construtores. Bem sabemos que a
tolice e a ignorância são úteis até certo ponto; por elas as virtudes opostas
melhor se realçam; o mal está em que as obras que deviam exercer influência
educativa no sentimento do público, sejam entregues ao livre arbítrio de tais
espíritos de negação!
Raul Lino, “Casas
Portuguesas – alguns apontamento sobre o arquitectar das casas simples” (1933)