- Alvíssaras,
senhores, alvíssaras peço e alvíssaras mereço! Terra! Terra! Embora melhor eu
deveria dizer: céu!, céu!, porque sem dúvida estamos no sítio da famosa Lisboa.
(...) Aqui, nesta
cidade, verás como são carrascos da doença muitos hospitais que a destroem, e o
que neles perde a vida, envolto na eficácia de infinitas indulgências, ganha a
do céu. Aqui o amor e a honestidade dão as mãos, e passeiam juntos, a cortesia
não deixa que dela se aproxime a arrogância, e a bravura não consente que se
aproxime dela a cobardia. Todos os seus moradores são agradáveis, são corteses,
são generosos e são enamorados, porque são inteligentes. A cidade é a maior da
Europa e a de maiores negócios; nela se descarregam as riquezas do Oriente, que
daí são repartidas pelo universo; o seu porto é espaçoso, não só de naves que
se possam reduzir a um número, mas de selvas móveis de árvores que os das naves
formam; a formosura das mulheres admira e enamora; a galhardia dos homens causa
espanto, como eles dizem; finalmente, esta é a terra que dá ao céu um santo e
abundantíssimo tributo.
Miguel de Cervantes, “Os
Trabalhos de Persiles e Sigismunda” (1580-1615)