quarta-feira, novembro 04, 2009

Turismo


Em meu entender, esta intricadíssima arte de viajar pode resumir-se em dois estilos essenciais: o turístico, inerente a uma multidão de monstros de olhos muito abertos que olham, olham, OLHAM, com entusiasmo de rebanho esbaforido, para a superfície do brilho das coisas (o ideal seria cortar-lhes as pálpebras!), e o aristocrático – em que os homens dão ao mundo a honra de se deslocarem, para continuarem no empenho de desconhecê-lo. Uns buscam, passivos, o que lhes mostram. Os outros trazem em si o que depois fingem encontrar. Tudo isto, claro, desenrolado numa atmosfera de inutilidade magnífica de ilusões não preenchidas.
Mas o que mais divido os dois géneros – para além da resignada aceitação feliz do snobismo da «obra-prima» e do êxtase diante do «famoso» – é, sem dúvida, a idolatria pelas coisas, característica principal dos turísticos. A estes, presumo eu, até as próprias pessoas só interessam quando adquirem o aspecto e a indiferença de objectos, ou os usam para lhes enfeitarem a fome de quererem ser gente: barretes, peninhas, toucas, fitas, capuzes, tamancos... Bonecos de trapo e osso, em suma.
José Gomes Ferreira, “O Irreal Quotidiano”

1 comentário:

Fernanda Silva disse...
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