quinta-feira, setembro 23, 2010

Autor & leitor


Só por um hábito adquirido na linguagem insincera dos prefácios e das dedicatórias é que o escritor diz «o meu leitor». Na realidade, cada leitor é, quando lê, leitor de si próprio. A obra do escritor não passa de uma espécie de instrumento óptico que ele oferece ao leitor a fim de lhe permitir discernir aquilo que, se não fosse aquele livro, ele porventura nunca veria dentro de si mesmo. O reconhecimento em si mesmo que o leitor faz daquilo que o livro diz é a prova da verdade deste e, vice-versa, ao menos em certa medida, a diferença entre os dois textos pode ser muitas vezes imputada, não ao autor, mas ao leitor. Para mais, o livro pode ser demasiado sábio, demasiado obscuro para um eleitor simples e, assim, fornecer-lhe apenas uma lente turva com que não será capaz de ler. Mas outras particularidades (como a inversão) podem levar o leitor a precisar de ler de uma certa maneira para ler bem; o autor não tem porque se ofender, antes, pelo contrário, deve dar a maior liberdade ao leitor dizendo-lhe: «Veja você mesmo se vê melhor com esta lente, ou com essa, ou com aquela.»
Marcel Proust, “Em Busca do Tempo Perdido / O Tempo Reencontrado”

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