quarta-feira, dezembro 01, 2010

Dos açorianos...

Suponho que na América pouco se sabe dos Açores. De todos os passageiros do nosso paquete, não havia um único que soubesse o que fosse sobre estas ilhas. (...) A comunidade é principalmente portuguesa – ou seja, pobre, apática, modorrenta e preguiçosa (...) A população das ilhas perfaz cerca de 200 000 almas, quase todas portuguesas. Tudo está perfeitamente estabelecido, visto que a região já tinha cem anos quando Colombo descobriu a América. A colheita principal é o milho, que eles cultivam e moem tal e qual faziam os seus tetravós. (...) Os bois pisam as espigas de trigo, segundo os costumes do tempo de Matusalém. Não há um único carrinho de mão em toda a terra: levam tudo à cabeça, ou em coima das mulas, ou numa carroça com caixa de vime e rodas de madeira maciça cujos eixos giram em simultâneo com as rodas. Não há qualquer arado moderno naquelas ilhas, e nem uma só ceifeira. Todas as tentativas de introduzir essas ferramentas agrícolas falharam. Os bons católicos dos portugueses benzeram-se e pediram a Deus que os guardasse do desejo herético de quererem saber mais do que os seus pais antes deles. O clima é ameno; nunca têm neve nem gelo, e não há uma única chaminé em toda a povoação. Os burros e os homens, as mulheres, e as crianças da família comem e dormem todos na mesma casa, e apresentam-se sujos, cheios de bichos e extremamente felizes. As pessoas mentem e enganam os estrangeiros, e são terrivelmente ignorantes e não têm quase nenhum respeito pelos mortos: Por esta última característica bem se vê que são pouco melhores do que os burros com que dormem e comem.
Mark Twain, “A Viagem dos Inocentes” (1869)

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