meia-noite no
lagar.
De aí a nada,
arregaçados, os homens iam esmagando os cachos, num movimento em que havia
qualquer coisa de coito, de quente e sensual violação. Doirados, negros, roxos,
amarelos, azuis, os bagos eram acenos de olhos lascivos numa cama de amor. E
como falos gigantescos, as pernas dos pisadores rasgavam máscula e
carinhosamente a virgindade túmida e feminina das uvas. A princípio, a pele
branca das coxas, lisa e morna, deixava escorrer os salpicos de mosto sem se
tingir. Mas com a continuação ia tomando a cor roxa, cada vez mais carregada,
do moreno, do sousão, da tinta-carvalha, da touriga e do bastardo.
A primeira violação
tirava apenas a cada tacho a flor de uma integridade fechada. Era o corte.
Depois, os êmbolos iam mais fundo, rasgavam mais, esmagavam com redobrada
sensualidade, e o mosto ensanguentava-se e cobria-se de uma espuma leve de
volúpia.
Miguel Torga, “Vindima” (1945)
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