Deixei-me guiar
pelo meu instinto criativo. Quis entrar pela morte dentro de olhos bem abertos,
ver tudo. Vivi qualquer coisa semelhante quando estive na Guerra Colonial. Um
dia fomos acudir a uma emboscada e sabíamos que era habitual haver outra emboscada
para a coluna de socorro. Demorámos mais de uma hora a lá chegar e pelo caminho
iniciei uma contagem decrescente interior para a morte. Pensava: a minha
emboscada pode chegar na próxima curva, no outeiro seguinte, ao fundo da
estrada. E questionava-me como é que iria morrer. Foi um exercício penoso.
Lembro-me de ter concluído que podia morrer mas que não queria que os tiros me acertassem
nos olhos. Queria ver a morte de olhos abertos. A emboscada não aconteceu mas a
vontade continua.
João de Melo, em entrevista
a Luís Ricardo Duarte, JL n.º 1150
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