Não é fácil nos
dias de hoje, fazer poesia sentimental sem banalidade. Quase tudo o que havia a
dizer já está dito. E o que é pior, dito e vencido. Entre o que se diz e a
maneira por que se o faz, o verso foi resvalando para a técnica, e nela firmou
seus domínios. A arte de escrever tem superado a mensagem, e a estrutura do
verso preocupa mais do que a poesia a transmitir, e que pereceria a sua razão
de ser. Já se vai tornando impossível tratar de poesia lírica, uma vez que a lira
anda longe, substituída pelo compasso e esquadro. O verso tem adquirido ares de
arquitectura, depois de ter passado por algumas confusões com a oratória. E
como é tão célere o mundo, e as coisas naturais vão perecendo, e em breve não
seremos mais criaturas humanas, mas coisas de humana aparência, funcionando
entre outros maquinismos, falar em assuntos de sentimento já é quase
arqueologia, porque não há tempo, não há lugar, não há ouvintes, não há razão
de ser. (...)
Resta-nos, pois – a
José Bruges e a todos nós, os da poesia sentimental – o trabalho de inventar o
nosso mundo, e lá viver. Porque a poesia sentimental não é a poesia
sentimentalista. Nós não andamos atrás dessas pequenas coisas dos amáveis
sonhos de cada dia. Não, não, nós somos uns ambiciosos de coisas sem
existência, pelas quais damos a vida, o corpo, a alma, o tempo, enfim, o que
somos. E somos os amantes de uma liberdade que nos arranque a estes enredos da
terra. E por ela choramos, e por ela nos convertemos em saudade. E isso é a
nossa poesia.
Cecília Meireles,
dactiloscrito anexo a carta datada de 12 de junho de 1951, envia da a José
Bruges [“Acerca do Desterro – hermenêutica literária e arqueologia cultural” de
José Rui Teixeira]