Era o seu animal de
estimação. E, na verdade, como não ter estima por quem obedece imediatamente
aos nossos gritos e se curva com presteza às nossas repreensões e ameaças? Como
não ter amor por quem podemos amarrar pelo pescoço e prender numa coleira e
arrastar onde o quisermos, à força de puxões e pancadas educativas? Alguém que
podemos trancar num minúsculo banheiro durante a noite e obrigar que fique em
silêncio. Como não trazer no coração uma criatura a quem podemos, caso isso nos
incomode, cortar uma parte do rabo e das orelhas, injectar hormônios, castrar,
secar os testículos, ou retirar o ovário ou o útero inteiro, e com toda a razão
nos julgarmos, por isso mesmo, merecedores de elogios e de gratidão por toda a
vida? Como não prezar como um verdadeiro ser humano alguém que depois de tudo
isso nos adora cegamente, geme de alegria atrás da porta quando ouve nossa
chave tilintar e corre contente para lamber nossos pés quando chegamos da rua?
Rubens Figueiredo, “Barco a
Seco”
Sem comentários:
Enviar um comentário