terça-feira, março 24, 2020

Cão, animal de estimação...

Era o seu animal de estimação. E, na verdade, como não ter estima por quem obedece imediatamente aos nossos gritos e se curva com presteza às nossas repreensões e ameaças? Como não ter amor por quem podemos amarrar pelo pescoço e prender numa coleira e arrastar onde o quisermos, à força de puxões e pancadas educativas? Alguém que podemos trancar num minúsculo banheiro durante a noite e obrigar que fique em silêncio. Como não trazer no coração uma criatura a quem podemos, caso isso nos incomode, cortar uma parte do rabo e das orelhas, injectar hormônios, castrar, secar os testículos, ou retirar o ovário ou o útero inteiro, e com toda a razão nos julgarmos, por isso mesmo, merecedores de elogios e de gratidão por toda a vida? Como não prezar como um verdadeiro ser humano alguém que depois de tudo isso nos adora cegamente, geme de alegria atrás da porta quando ouve nossa chave tilintar e corre contente para lamber nossos pés quando chegamos da rua?
Rubens Figueiredo, “Barco a Seco” 

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