E acabou por
ensaiar uma análise cuja tese principal era a seguinte: São Vicente é uma ilha
de povoamento recente, feito com recurso aos naturais das outras ilhas que as
secas, a falta de trabalho e outras misérias forçaram à migração. Ora essas
criaturas abandonam ilhas de fortes tradições próprias e já com enraizadas
formas de estar no mundo, para de repente se lançarem num espaço não só agreste
como também relativamente hostil e onde, para sobreviver, são obrigadas a
miscigenar diferentes culturas regionais com o consequente prejuízo de nenhuma
delas ser suficientemente maioritária para se impor. E é esta circunstância,
mais a ausência de uma ancestral ligação a esta terra, que faz do homem de São
Vicente um ser leviano e fluido, sem a salutar verticalidade e firmeza do
natural de Santo Antão ou Santiago onde os valores sociais regionais se
mantiveram intangíveis. E é sem dúvida interessante verificar a perda da
robustez, quer física, quer espiritual, desses povos específicos quando postos
em contacto estreito com São Vicente. Porque de indivíduos calados, pensados,
cuidadosos no uso das palavras, transformam-se em palavrosos fala-baratos em
constante necessidade de afirmação pessoal. Mas como se tudo isso não fosse
suficiente, a população que habita esta ilha viu-se, logo no início do processo
da formação daquilo que poderia vir a ser uma sui generis cultura
regional, submetida e influenciada por uma outra cultura, a inglesa, não só
poderosa como rígida e dominadora e que por isso mesmo passou a ser ponto de
referência essencial para todo o residente desta ilha, sem prejuízo, bem
entendido, da constante passagem de outras formas culturais estrangeiras menos
notórias mas nem por isso menos marcantes. E a consequência de tudo isto é a
verdade do homem de São Vicente ser o mais inautêntico de Cabo Verde.
Germano Almeida, “O
Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo”
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