sexta-feira, dezembro 04, 2009

Pensar


O acto de pensar imputava-lhe agora mais do que os duvidosos produtos do pensamento em si. Examinava-se a pensar, tal como se contasse, com o dedo sobre o pulso, as pulsações da matéria radial, ou, sob as costelas, o vaivém da respiração. Toda a vida se espantara com essa faculdade que as ideias têm de se aglomerarem friamente como cristais, formando estranhas figuras vãs; ou cresceram como tumores devorando a carne que os concebeu; ou a assumirem monstruosamente certos contornos da pessoa humana, à maneira dessas massas inertes que algumas mulheres dão à luz e que, em suma, não são mais do que um sonho de matéria. Uma boa parte dos produtos do espírito não passavam também de disformes sombras lunares. Outras noções, mais claras e nítidas, como que fabricadas por um mestre artesão, eram, porém, como aqueles objectos que, à distância, iludem; imensamente admiráveis eram os seus ângulos e arestas; e todavia não passavam de grades aonde o entendimento a si mesmo se aprisiona, abstractas ferragens que a ferrugem da falsidade não tardaria a carcomir.
Marguerite Yourcenar, “A Obra Ao Negro”

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