Devido talvez à
longa ausência, quando cheguei surpreendeu-me, quase diria me assaltou, o
cheiro da terra transmontana, o odor que se me deve ter entranhado à nascença e
agora aspiro com a satisfação de viciado a quem faltou a droga.
Há aí retalhos de
memória e alguma fantasia, pois desapareceram os montes de estrume a fumegar,
não se vêem cagalhetas nem bostas, nenhum forno coze pão. Todavia, sem que os
chame, esses cheiros antigos vêm de mistura com os de resina e terra seca, dos
eucaliptos, das encostas que são mares de esteva, giesta, urze e rosmaninho.
Para mim continua
no ar o relento de terra lavrada, do fumo acre de lenha a arder, mosto, figos,
maçãs podres, bedum, o calor cheiroso das vinhas ao fim da tarde, o das pedras
torradas pelo sol de Agosto.
Ontem, ao rever o
lugarejo onde nasci, desabitado há vidas e que dentro em pouco se afundará na
albufeira da barragem do Sabor, mais do que serem vivas as recordações, todas
me chegaram acompanhadas de cheiros: o de pólvora na roupa de meu Pai, do soro
de leite nas mãos da Felisbela a fazer queijo, do sabão de potassa, o das
chouriças a defumar.
Há muito que tudo
ali é abandono, fim, em parte nenhuma vi, nem poderia ver, candeeiros de
petróleo ou lampiões de azeite, botas ensebadas, feno, a palha húmida, a urze
repisada do mijo das bestas para fazer estrume, mas a cada porta de casebre,
nos muros arruinados, no que ainda está de pé do que foi a nossa casa, por toda
a parte me acompanhou, penetrante, a memória desses cheiros, como se por
instantes fosse devolvida a parte de mim que há muito cientemente descartei.
J. Rentes de Carvalho, “O
Meças”
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