domingo, janeiro 08, 2012

E assim irão...


Bem de lágrimas. A frase de há séculos recorda-me, por expressiva, o acontecimento de ontem, domingo, ocorrido numa praia para os lados do cabo de Sines. Quando tentava salvar das ondas um rapazinho, foi levada pelo mar uma rapariga de dezoito anos. Como a corrente trazia o cadáver para o Norte, a família, camponeses da região, veio-o seguindo vagarosamente toda a tarde e toda a noite pela costa acima. Chegou hoje aqui, ao meio-dia. Um grupo de mulheres e de homens vestidos de negro e silenciosos. Os olhos, atirados para a distância, ardiam-lhes nas faces cavadas pela dor. Longe, avistava-se o corpo, boiando na vaga. Depois, como a corrente virasse ao Sul, seguiram para baixo, ora parando, ora caminhando, sempre de cara voltada para a água. E assim irão, como bem de lágrimas, até que a morta venha dar à praia.
Manuel da Fonseca, “À Lareira, nos Fundos da Casa onde o Retorta Tem o Café”

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