16 de Abril [1908]
– Às vezes passeio pelas ruas com o objectivo exclusivo de olhar para a cara
dos homens e das mulheres que passam. A cara dos homens e das mulheres que
passaram dos trinta anos, que coisa tão impressionante! Que concentração de
mistérios minúsculos e obscuros, à medida do homem; de tristeza venenosa e
impotente, de ilusões cadavéricas arrastadas durante anos e anos, de cortesia
momentânea e automática; de vaidade secreta e diabólica; de abatimento e
resignação perante o Grande Animal da natureza e da vida!
Há dias em que
invento qualquer pretexto para falar com as pessoas que vou encontrando.
Olho-as nos olhos. É um pouco difícil. É a última coisa que as pessoas deixam
ver. Estremeço ao notar a escassa quantidade de gente que conserva no olhar
algum rasto de ilusão e de poesia – da ilusão e da poesia dos dezassete anos.
Da maioria dos olhos apagou-se de todo o brilho pelas coisas abstractas e
engraçadas, gratuitas, fascinantes, incertas, apaixonantes. Os olhares são
duros ou mórbidos ou falsos, mas totalmente arrasados. São olhares puramente
mecânicos, desprovidos de surpresa, de aventura, de imponderável.
Josep Pla, “O Caderno
Cinzento”
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