segunda-feira, julho 23, 2018

da Universidade

12 de Março [1919] – Depois destes cinco anos passados na Universidade, parece-me o que se costuma dizer rotineiramente: que se perde o tempo e que ao sair é quando se tem de começar a trabalhar e, sobretudo, quando se deve esquecer o que se aprendeu, que é absolutamente secundário.
No meu entender, o pior efeito do estabelecimento é a falsificação que produz na sensibilidade, na inteligência e no carácter. Tende a fazer ver as coisas não tal como realmente são, mas através de uma chapa sobreposta. Não é o esforço para passar do simples ao complexo – como a vida exige – para chegar a uma certa visão humana quintessenciada. É um esforço para simplificar através da armadilha sistemática. O estabelecimento faz ver as coisas em ponto pequeno, com miopia, favorece o pensamento, o truque, a astúcia, a habilidade, a tendência a converter o atrabiliário em norma de vida. Na Universidade, saber conta muito pouco: o principal é aprovar. Passei cinco anos da minha vida numa faculdade de Direito: nunca ouvi falar, nem por sombras, de Justiça. Nunca ouvi a própria palavra ser pronunciada. Teria estado provavelmente deslocada num ambiente que pretende criar malandros, mais do que pessoas de um certo equilíbrio humano. Assim, o estabelecimento docente dá armas fortes aos fracos e aleijados morais, aos pequenos ambiciosos, às moscas mortas desenfreadas, aos fanáticos, aos pedantes. Aprende-se aí todas as artes da dissimulação e da artimanha, da adulação e da habilidade. Nunca se luta com nobreza e clareza. A Universidade abafa e corrompe os temperamentos fortes.
Josep Pla, “O Caderno Cinzento”

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