12 de Março [1919]
– Depois destes cinco anos passados na Universidade, parece-me o que se costuma
dizer rotineiramente: que se perde o tempo e que ao sair é quando se tem de
começar a trabalhar e, sobretudo, quando se deve esquecer o que se aprendeu,
que é absolutamente secundário.
No meu entender, o
pior efeito do estabelecimento é a falsificação que produz na sensibilidade, na
inteligência e no carácter. Tende a fazer ver as coisas não tal como realmente
são, mas através de uma chapa sobreposta. Não é o esforço para passar do
simples ao complexo – como a vida exige – para chegar a uma certa visão humana
quintessenciada. É um esforço para simplificar através da armadilha
sistemática. O estabelecimento faz ver as coisas em ponto pequeno, com miopia,
favorece o pensamento, o truque, a astúcia, a habilidade, a tendência a
converter o atrabiliário em norma de vida. Na Universidade, saber conta muito
pouco: o principal é aprovar. Passei cinco anos da minha vida numa faculdade de
Direito: nunca ouvi falar, nem por sombras, de Justiça. Nunca ouvi a própria
palavra ser pronunciada. Teria estado provavelmente deslocada num ambiente que
pretende criar malandros, mais do que pessoas de um certo equilíbrio humano.
Assim, o estabelecimento docente dá armas fortes aos fracos e aleijados morais,
aos pequenos ambiciosos, às moscas mortas desenfreadas, aos fanáticos, aos
pedantes. Aprende-se aí todas as artes da dissimulação e da artimanha, da adulação
e da habilidade. Nunca se luta com nobreza e clareza. A Universidade abafa e
corrompe os temperamentos fortes.
Josep Pla, “O Caderno
Cinzento”
Sem comentários:
Enviar um comentário